A amargura é visível em cada palavra, em cada gesto, em cada movimento do seu corpo. A alegria que por vezes ainda surge na sua vida parece ter-se esvanecido no nevoeiro tão invulgar por aquelas paragens mas que nos últimos dias teima em aparecer todas as manhãs. Nevoeiro denso, daquele em que esperamos ver aparecer D. Sebastião ou no qual temos a sensação de nos perder a qualquer passo.
A saudade, a nostalgia e até mesmo a morte surgem na sua mente apesar de todas as tentativas em afasta-las. Não quer falar. Não quer ver ninguém e muito menos ter que ser simpática ou sorrir. Não hoje. Não como está…
Apesar disso, ou quem sabe se por isso mesmo, há sempre alguém a pedir a sua atenção. A fazer perguntas e exigir respostas. A vontade de os mandar a todos calar. De lhes dizer que a deixem em paz aumenta a cada frase proferida. Porque não se afastam todos? Porque não esquecem que existe e a deixam a sós consigo mesma? Hoje precisa disso. Necessita mergulhar no mais fundo do seu ser e perder-se. Perder o ser em que se transformou ou que a vida fez dela.
Um deserto. Uma serra distante. Um oceano sem fim, uma gruta profunda onde a única luz existente fosse a da esperança (se é que ainda existe alguma) seriam um bom lugar para onde ir. E não voltar!
Quer isolar-se. Afastar-se de tudo e de todos. Partir sem regresso. Ou ir e voltar diferente. Novamente criança, se tal fosse possível. Um novo ser do qual se pudesse orgulhar. Quer…
Não ter que pensar. Afastar as lembranças e as recordações que hoje queimam como gelo. Sentir o calor de algo que ficou perdido no tempo. Um amor? Um carinho? Uma vida? A indefinição da fonte de calor que procura aumenta o frio do gelo que a envolve e a queima.
Inconscientemente não quer estar assim. Conscientemente sabe que tem que sair do nevoeiro antes do sol aparecer. E ele vai aparecer! Mais cedo ou mais tarde o astro rei vai brilhar e devolver-lhe um pouco de calor. Tem que aparecer! Precisa e espera que isso aconteça. Não quer morrer. Não neste inferno gelado que hoje a envolve e do qual, apesar de tudo, quer sair.
As recordações surgem com a força e a nitidez que esperaria de um sol brilhante. Contundentes, atingem-na e fazem-na cambalear sem forças. Pudesse não lembrar. Conseguisse esquecer o que de mais profundo a fere e o dia seria diferente. Deseja a amnésia dos dias passados. Uma esponja que absorvesse todas as mágoas, todas as dores e que pudesse espremer apenas quando e como quisesse. Como seria diferente!
Não é que não queira recordar a dor. Não é que não se reveja no passado e não voltasse a viver intensamente cada segundo mas… Hoje não! Hoje não é um bom dia para mergulhar tão fundo no seu ser e sofrer. Hoje não…
Outros dias virão em que essa necessidade poderá surgir e nos quais a consiga abarcar. Outros dias, as mesmas dores. Outros sentimentos, outras cores...
Adelina Antunes